Biographica

EXPOSIÇÕES


CANGACEIROS
É fascinante apreciar uma coleção temática de fotografias. E quando o tema é incomum essa viagem no tempo se torna mais extraordinária. A presente reunião dessas imagens – do cangaceiro Lampião e seu bando, bem como das Forças Volantes – como uma coleção única ilumina aquele momento histórico e enfatiza seu inestimável valor iconográfico.
A fotografia tem esse poder. Ela consegue se destacar na memória coletiva e desencadear processos de alta complexidade. No caso específico desta coleção – CANGACEIROS –, há fotografias de autoria de Benjamin Abrahão (o mais conhecido dentre todos), de Lauro Cabral de Oliveira, Eronildes Carvalho de Pedro Maia e outras cujos autores sãoé desconhecidos.
Benjamin Abrahão chegou ao Brasil em 1915 e rapidamente se tornou um mascate – comerciante de tecidos em Recife e mais tarde em Juazeiro do Norte, no Ceará. Sua coragem superava sua habilidade como fotógrafo e cinegrafista. O aprendizado inicial das instruções básicas deve-se a Adhemar Bezerra Albuquerque, da ABA Filmes, responsável técnico pela produção das imagens e por sua preservação. Não fossem suas orientações e disponibilidade em colaborar na documentação fotográfica de Benjamin Abrahão, provavelmente Lampião e seu bando não teriam se convertido em figuras públicas amplamente propagadas pela midiamídia impressa da época.
Ao nos depararmos com esta magnífica coleção é interessante explorarmos o valor documental da fotografia e suas possíveis conexões com o real. Como sabemos, a legitimidade do documento fotográfico é cada vez mais questionada e o valor dessa seletiva edição de imagens diz respeito a um dos personagens mais contravertidos controvertidos da nossa história.
A produção de imagens nunca é gratuita. Quase sempre, fotografias sãoforam produzidas com intenção de comunicar. Diante disso, a coleção assume um caráter de inventário, típico de uma produção ensaística seriada e previamente planejada. Porém, há de se entender que esstas fotografias são recortes intencionais cujo objetivo inicial era dar visibilidade a um movimento que incomodava o sistema estabelecido.
Olhar atentamente para estas imagens de Benjamin Abrahão e dos outros fotógrafos é verificar que não houve grandes preocupações com a composição e até mesmo com a luz. Os enquadramentos são simples e eles abusam da frontalidade como principal recurso para concretizar o retrato. Não há cortes ousados nem flagrantes desconcertantes. O que vale mesmo é o sangue frio para assumir a direção da cena a fim de criar uma narrativa que estimulasse a imaginação dos leitores quando as imagens fossem propagadas.
A coleção tem inegável valor documental – do ponto de vista histórico, social e cultural. Mesmo sabendo que fotografia é sempre uma construção de ordem tecnológica, ideológica e estética, ela possibilita alguma credibilidade que estimula nossa imaginação. O quanto de verdade e de realidade estão presentes nestas fotografias não importa muito, pois o distanciamento temporal criou uma espécie de aura carregada de subjetividade daquele universo diferenciado e fora do padrão da ditadura getulista. Inegavelmente, estas fotografias deram visibilidade aos gestos e atitudes, poses e devaneios, simulados ou não, de um movimento de enfrentamento que evoca nosso imaginário e está inscrito na história iconográfica do Brasil.
Rubens Fernandes Junior, pesquisador e crítico de fotografia

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